segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

As Dialéticas Negativas das Habilidades do Poodle #6



NA PRISÃO




Os confrontos com a lei abrem os olhos, dando aos condenados uma experiência que nenhuma teoria política pode dar. Miles Davis levou vinte e dois anos para relatar o seu famoso espancamento e prisão à porta do Birdland (em You’re Under Arrest, 1981), o incidente inflamou uma desconfiança que durou toda a vida. O plano de fazer Captain Beefheart vs. The Grunt People foi anunciado na imprensa local, no Ontario Daily Report. Zappa construiu o seu “improvável” foguetão no Estúdio Z, usando uma grande quantidade de bocados de cenário que tinha comprado num leilão dos estúdios F. K. Rockett, a preço de saldo: $50. Pintou o cenário com uma rebuscada caligrafia psicadélica, porcas, parafusos e mostradores de relógios pintados como se fosse parte de uma banda desenhada. No nariz do foguetão, numa fotografia, lê-se a inscrição, “cortar pelo tracejado”, como se tudo tivesse sido construído seguindo as instruções do verso de um pacote de cereais.
O relativamente comprido cabelo de Zappa e o facto do estúdio Z ser refúgio para duas mulheres brancas e um bebé preto – que costumavam brincar no passeio em frente do estúdio, à vista da igreja Holy Roller que ficava do outro lado da rua – fê-los ser perseguidos. As autoridades fizeram disso conversa, mostrando uma lascívia no coração do conservadorismo cultural que Zappa perseguiu impiedosamente durante o resto da sua carreira.
Segundo David Walley, Zappa fora abordado por um membro da esquadra da polícia de San Bernardino aquando de uma apresentação dos Muthers no Sinners & Saints, perguntando-lhe se gostaria de fazer filmes de instrução para a esquadra. Zappa pensou imediatamente em termos de documentários warholianos de arte pop.




Era uma excelente oportunidade de fazer algo pela educação daquelas pessoas.
Disse para mim. “Vê, estes tipos andam por aí a dar murros ao pessoal mais esquisito, tratam-no mal sempre, mas talvez seja porque não percebem. Não sabem que as pessoas que prendem são mesmo pessoas”.



Este espírito de cooperação mudou quando a esquadra pretendeu apanhar Zappa numa pândega. Fizeram um buraco no estúdio Z e vigiaram-no algumas semanas. O detective Willis da esquadra de San Bernardino abordou Zappa pela primeira vez quando fez uma audição para o filme (senador Gurney, “o parvalhão”). Depois, voltou disfarçado de vendedor de carros em segunda mão e pediu a Zappa para fazer um filme porno “para a rapaziada”, descrevendo a lista de diferentes actos que deviam ser incluídos. A conversa foi retransmitida através de um mini relógio de pulso para uma carrinha estacionada.
Zappa ofereceu-lhe um filme por $300 e uma gravação áudio por $100. Willis aceitou a última.




Fiz a banda sonora nessa noite com a ajuda de uma das raparigas – cerca de meia hora de falsos gemidos e gritos. Não houve relações sexuais. Fiquei acordado a noite toda a editar as gargalhadas às quais juntei alguma música de fundo – uma produção completa.



Zappa e a rapariga, Lorraine Belcher, foram presos ao entregarem os resultados do seu trabalho depois de verem o estúdio Z ser invadido por flashs fotográficos e perguntas de jornalistas. O pai de Zappa precisou de pedir um empréstimo bancário para pagar a fiança. Eles não tinham dinheiro para pagar este claro caso de “cilada” (ilegal perante a lei americana), por isso declararam-se culpados. O juiz ouviu a gravação no seu gabinete e riu às gargalhadas, repreendendo Zappa por se deixar apanhar por Willis, o polícia local, conhecido por prender homossexuais nas casas de banho públicas, mas ainda assim penalizou-o com uma sentença de seis meses de prisão suspensa: excepto dez dias. Estes dias foram cumpridos na Prisão C da Penitenciária Municipal de San Bernardino. Tal como muitos iniciantes, Zappa ficou chocado pela trivialidade da natureza dos crimes que podiam levar à prisão:



“Havia um miúdo lá dentro com cerca de dezanove anos que esteve preso três semanas à espera de extradição para Beverly Hills por ter atravessado a rua sem olhar”.



Segundo Zappa, a prisão de Lancaster até era confortável (“de manhã davam-te panquecas”). Em comparação, as condições de San Bernardino eram aterradoras: um chuveiro para quarenta e quatro homens, baratas na comida, 40° de temperatura, luzes acesas durante a noite. Zappa diz que não viu nada desde essa altura que o fizesse mudar de opinião em relação ao sistema penal californiano. A imagem de encarceramento, misturada com campos de concentração de guerra, reaparece muitas vezes no seu trabalho. A prisão de San Bernardino foi recordada em “San Ber’dino” de One Size Fits All.




O ar é verde-escuro
E sufocas o dia todo



Encarceramento, claustrofobia, asfixia, gás venenoso, máscaras de gás: um recorrente grupo de imagens do trabalho de Zappa, todas conjecturam uma mensagem perturbante sobre as liberdades permitidas aos cidadãos da democracia social.



Texto retirado do blog Fora de Cena que traduziu o livro de Ben Watson - The Negative Dialectics of Poodle Play. A tradução é em português de Portugal e por isso algumas palavras podem soar estranho, como o próprio título traduzido como: As Dialécticas Negativas das Habilidades do Caniche. O que no Brasil é: As Dialéticas Negativas das Habilidades do Poodle.

5 comentários:

nirso disse...

Hey hey.....
Valu pelo link ae....
E meu deus do céu, adorei a homenagem à Frank Zappa...ele é meu herói disparado....dos melhores...e esses textos tão bem legais....belo esforço.
Já ta no meu Bookmark....

Abraço do Nirso

woody disse...

Valeu Nirso,
o Zappa também é uma dos meus hérois musicais, na verdade tenho vários Deuses sagrados em meu Olimpo sonoro que é encabeçado por um triunvirato formado por Jimi Hendrix, Miles Daves e o nosso Frank Zappa!

Abraço,
WOODY

Pedro Marques disse...

Pela primeira vez vejo o meu trabalho repercutido do outro lado do atlântico. Não sabia que no brasil não havia caniches: só poodles. Seja como for, obrigado pelo link ao Fora de Cena. Um abraço do Pedro Marques.

woody disse...

Caro Pedro Marques,
estou deliberadamente me apossando do seu texto, com os devidos créditos obviamente. Por que é uma das poucas coisas sérias que já li sobre o Zappa, em língua portuguesa. Tudo bem que não seja você o autor do texto, mas só o trabalho de transcrevê-lo já é louvável e devo dizer você o fez muito bem. Uma pena que não haverá tempo para colocar mais coisas. Mas no final acrescentarei mais um link, avisando às pessoas interessadas em continuar lendo este trabalho, que o encontrará no Fora de Cena. Quero te agradecer enormemente, não só pelo uso do texto, mas também pela oportunidade que me deste de conhecer melhor este meu ídolo e genial mestre da musica chamado Frank Zappa. Tenho certeza que este meu sentimento de agradecimento é compartilhado por outros brasileiros fãs da boa música.

Abraços,
WOODY

Anônimo disse...

love this site. thank you.