sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

As Dialéticas Negativas das Habilidades do Poodle #1





OS PRIMEIROS TEMPOS




Vincent Zappa nasceu a 21 de Dezembro de 1940 em Baltimore, Maryland. O pai, Frank Vincent Zappa Sénior nasceu em Partinico, na Sicília, e emigrou para a América quando era criança. A mãe, Rose, era de primeira geração americana; o seu pai tinha vindo de Nápoles e a mãe tinha descendência francesa e siciliana. Frank Júnior era o filho mais velho de dois irmãos, Bobby e Carl e uma irmã, Candy. Os pais não ensinaram os filhos a falar italiano, embora o usassem como linguagem secreta para falar sobre dinheiro. No The Real Frank Zappa Book, Zappa atribui esta necessidade de esconder o passado italiano à posição assumida pela Itália na Segunda Guerra Mundial. Ele brinca com o desprezo pelos “rústicos” e com a insistência dos pais para o levarem a um dentista italiano. Cresceu na urbanização militar de Edgewood, Maryland.

O pai Frank formou-se na Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill. Durante a faculdade trabalhou como barbeiro. O seu único instrumento era aquilo que Zappa chama uma guitarra “stroller”. Trabalhou como metereologista no Edgewood Arsenal, segundo Zappa, o trabalho estava ligado à produção de gás venenoso. Havia tanques de gás mostarda a uma milha da urbanização e todos tinham uma máscara de gás pessoal para os proteger de acidentes. O pai ganhava dinheiro extra a fazer de cobaia – experiências onde tinha de pôr adesivos na pele. Trabalhar para a indústria de defesa trazia todo o tipo de restrições burocráticas que impediam a socialização da família.

Em Freak Out!, nas “vulgaridades biográficas”, Zappa escreveu: “Aos onze anos, eu tinha um metro e setenta e cinco, pernas peludas, borbulhas e bigode... por alguma estranha razão nunca me deixaram ser capitão da equipa de softball.”Ele expôs o assunto a Michael Gray:


Tínhamos dois problemas. Um era a Autorização Especial de Segurança; o outroera o facto de o meu pai ter nascido na Sicília e a minha mãe ser da primeira geração de pais italianos e franceses. Na maior parte dos sítios onde vivemos,qualquer pessoa que não fosse cem por cento branca e americana era uma ameaça à sociedade, sabias? E estar associado a alguém com parentescos estrangeiros tornava-me a vida difícil e tornava-lhes a vida difícil. Eu nunca compreendi todo este aspecto da vida americana.


A família Zappa também mudava muito de casa. Passou um breve período de tempo na Flórida, o que fez melhorar um pouco a saúde de Frank, e depois voltou a Edgewood. Pouco tempo depois, em 1950, a família mudou-se para Monterey, na Costa Oeste, onde o Frank Sénior conseguira emprego a ensinar metalurgia na Escola de Pós-Graduação Naval. Ficaram lá três anos. Aos 12, Frank interessou-se por percussão e frequentou um curso de Verão com o professor Keith McKillop, aprendendo os rudimentos de percussão das bandas escocesas de gaitas-de-foles (a mesma base usada por muitos bateristas de jazz).



Punham os miúdos de onze e doze anos alinhados numa sala. Não havia percussões, eram apenas umas pranchas – não havia almofadas, era uma tábua sobreposta em cima de umas cadeiras – toda a gente se punha em frente da tábua e fazia ra-tle-ti-tat. Não tive uma bateria a sério senão aos catorze ou quinze anos, todo o treino fora feito no quarto, em cima de uma secretária – uma peça de mobiliário, outrora bela, que algum italiano perverso pintara de verde – que ficou com o tampo todo marcado pelas baquetas. Finalmente, a minha mãe acabou por me oferecer um instrumento de percussão e deixou-me praticar na garagem – uma tarola.


Foi o desenvolvido sentido rítmico de Frank que lhe tornou possível criar música que é efectivamente uma terceira corrente entre a música clássica e o rock, portanto este passado das percussões é altamente significativo. Em 1953 mudaram-se para Pomona, onde o pai Frank prosseguiu com a metalurgia na Convair e um ano mais tarde para San Diego onde trabalhou no míssil Atlas. Este estilo de vida nómada tornava difícil aos filhos a conquista de amigos. A experiência reapareceu em “Ned the Mumbler”, parte da ópera rock, I Was a Teenage Maltshop que a CBS recusou em 1964:


Sou novo na tua faculdade
Não tenho nenhuma miúda que chame pelo meu nome
Sou novo na tua faculdade
Não tenho nenhuma miúda que chame pelo meu nome
O meu pai trabalha para o governo e por isso
Estousempre a mudar de escola – que desgraça

Tou para aqui a resmungar no pátio da escola
Desejo que alguém saiba o meu nome
‘Tou para aqui a resmungar no pátio da escola
Desejo que alguém saiba o meu nome
Só Deus sabe como isto me dói e preciso de amigos
Por que é qu’as pessoas não entendem a minha dor?



Embora seja uma versão bem humorada de um blues depressivo – que gradualmente se transforma em rock ‘n’ roll quando o Ned se decide revelar às raparigas – há algo de comovente no escárnio da elocução e na guitarra desaustinada. O sentido de exclusão da principal corrente de cultura americana corre bem fundo em Zappa: mais do que as políticas explícitas, alimenta a crença subversiva da sua arte. As citações da estreia comercial de Zappa, Freak Out!, a combinação de protesto e amargura, a paradoxal psicologia negativa do “sem potencial comercial”, encaixaram de tal maneira em Swamp Dogg (o cantor político do produtor de soul negro, Jerry Williams Jnr.) que este as reutilizou na íntegra no seu primeiro disco, Total Destruction to Your Mind.

Uma vez realojado na Costa Oeste, Zappa, com o seu passado não-anglófono, teve como colegas uns “pachucos” mexicanos que partilhavam o seu entusiasmo pela música negra. A razão pela qual Zappa e os Mothers atingiram o som de R&B mais autêntico de todos os grupos brancos de rock dos anos 60, não foi devido à virtuosidade musical, mas sim à simpatia para com a atitude do R&B da Costa Oeste: uma mistura de dor, niilismo e celebração que caracteriza a música de Richard Berry, Big Jay McNeely e Johnny “Guitar” Watson. Zappa tocava bateria numa banda de R&B da faculdade chamada Ramblers; não tocou numa guitarra até aos vinte-e-um anos de idade.


Costumávamos ir para casa do Ministro, o filho era pianista e eu ficava sentado na sala com duas panelas e um par de baquetas, tentando tocar um shuffle enquanto
o Stewart Congden – o nome dele – tocava piano.


Em 1956 mudaram-se para Lancaster, Califórnia, para o deserto do Mojave, perto de Palmdale. O Frank Sénior trabalhava na Base Aérea Edwards enquanto Zappa frequentava o liceu de Antelope Valley. (continua...)


Texto retirado do blog Fora de Cena que traduziu o livro de Ben Watson - The Negative Dialectics of Poodle Play. A tradução é em português de Portugal e por isso algumas palavras podem soar estranho, como o próprio título traduzido como: As Dialécticas Negativas das Habilidades do Caniche. O que no Brasil é: As Dialéticas Negativas das Habilidades do Poodle. Ou ainda o termo: miúda = garota.

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