domingo, 23 de dezembro de 2007

As Dialéticas Negativas das Habilidades do Poodle #5


O ESTÚDIO Z



Com uma determinação musical tão rara – o simultâneo entusiasmo pela vanguarda do século XX e a subcultura do R&B – Zappa precisava de um estúdio. Os trabalhos ao vivo não deixavam espaço para a experimentação: nessa altura (como agora), as bandas que arranjavam trabalho, tocavam versões. Mas havia um curioso da electrónica, Paul Buff, que dirigia um estúdio em Cucamonga, na Califórnia (Cucamonga era uma mancha no mapa, representada pelo cruzamento da Route 66 com a Avenida Archibald). O mais que os fãs ouviram falar deste obscuro início, foi em 1975, com a nostálgica canção “Cucamonga”, juntamente com menções menores no disco pirata, Confidential (mais tarde Metal Man Has Hornet’s Wings). A fonte da maior parte deste disco pirata foi um programa de rádio australiano apresentado por Captain Beefheart e Zappa em 1975, onde o duo recordou e brincou enquanto passava faixas de Bongo Fury, gravações de arquivo de Cucamonga e improvisava “Orange Claw Hammer” ao vivo no estúdio...

...Em 1963, “Tijuana Surf” de Paul Buff, um instrumental inovador no estilo “estupidamente simples” dos clássicos com órgão tipo “Rinky Dink” (Dave “Baby” Cortez, 1962), alcançou o primeiro lugar no México, editado pela Original Sound de Art Laboe. Ostensivamente tocado pelos Hollywood Persuaders, Zappa tocava guitarra no lado-B, de modo dilacerante, ao estilo de “Guitar Watson”/Guitar Slim. Enquanto os célebres guitarristas da explosão do blues-branco favoreciam a expressividade fibrosa de B. B. King, Zappa tocava notas texturalmente fortes, dando especial atenção ao choque do seu próprio ritmo com os massivos e pesados saxofones regravados várias vezes por Paul Buff. Para obter bom equilíbrio regrava no out-chorus umas notas agudas por cima da distorção principal, fazendo funcionar os tempos contrastantes como um saxofone tenor por cima de um riff da secção de metais.

Materiais vibrantes, uma indicação de que Zappa conseguia ouvir uma violência paralela ao R&B e a Varèse. O tema era “Grunion Run” e foi comemorado doze anos mais tarde ao aparecer como estrela na constelação do aspirador, Coma Bernice, em One Size Fits All. Com alguma incredulidade, Zappa refere que até conseguiu receber alguns direitos de autor deste trabalho.

Buff e Zappa também venderam gravações para a obscura editora Vigah, dando-lhes o primeiro single: “The Big Surfer” tocado por Brian Lord & the Midnighters (Vigah 001). Era sobre um disco-jóquei de San Bernardino que personificava o presidente Kennedy e julgava um concurso de dança: confusão satírica sobre a linha divisória entre espectáculo das políticas burguesas e as vulgaridades do mundo do espectáculo que reapareceu em “Wet T-Shirt Nite”. A Capitol Records comprou a gravação original, mas recusou-se a lançá-la por causa da piada sobre Medgar Evers que entretanto tinha sido morto. Outros lançamentos da altura foram, “How’s Your Bird?” pelos Baby Ray & the Ferns para a editora de Bob Keene, a Del-Fi, uma novidade cantada em falseto por Ray Collins e “Ned & Nelda” (Vigah 002), que continuou com “Hey Paula”, o dueto meloso de Paul e Paula. O lado-B era “The World’s Greatest Sinner”, uma versão de dois minutos da música do mesmo filme...

...Zappa produziu outro single, agora para Lowell George e a banda Factory, com o guitarrista Warren Klien, o baixista Martin Kibbee e o baterista Richie Hayward (com o qual George fundou posteriormente os Little Feat). Zappa fez um “trabalho fantástico” gravando “Lightin’-Rod Man”, a voz de Lowell George a imitar Mick Jagger num filme de animação é, sem dúvida, o melhor momento da banda (um posterior lançamento documenta a evolução de 1966 a 69, passando de um psicadelismo incensado para um country-rock à Proto-Feat). George esteve dois meses como vocalista dos Standells (“Dirty Water” é agora considerado um clássico do punk dos anos 60 ao aparecer na primeira colecção Nuggets), juntando-se brevemente aos Mothers em 1969.

Run Home Slow foi finalmente terminado em 1963 – com Mercedes McCambridge no papel protagonista – e a banda sonora gravada. O tema abre o primeiro Mystery Disc e é uma abertura normal de um filme de cowboys: baterias galopantes e trompetes a explodir com um optimismo resplandecente. Vendo em retrospectiva, podemos perceber que o uso de harmonias impressionistas é raro na música de filmes vulgares nos anos 60. Zappa comprou uma guitarra eléctrica com o dinheiro que recebeu e tomou conta da Pal Records de Buff, comprando ao mesmo tempo $5,000 dólares de cenários velhos. Baptizou-o Studio Z, pintou o nome na porta e ainda escreveu “Grava a tua banda”, “$13,50 à hora” na parede do estúdio – tudo em letras proto-psicadélicas que teria provavelmente aprendido na Nile Greeting Cards (usadas mais tarde na capa de Absolutely Free).

Ele gravou a festa da noite de abertura, algumas colagens aparecem no Mystery Disc. Na festa estava Beefheart, um tipo chamado Bob Narcisso, Ray Collins, Motorhead, a namoradinha de Beefheart, Laurie e outro tipo que costumava tocar bateria na banda, Al Ceraeff. Acho que era tudo.

Foi na noite em que tomei conta do Studio Z, entrámos no estúdio e ligámos os gravadores, por isso tenho gravações do Beefheart a cantar “Night Owl” e Ray Collins a cantar “Louie Louie” e depois punhamos um acompanhamento a tocar e brincávamos e fazíamos letras por cima”.


É de gravações como estas que Zappa selecciona os momentos que constituem as suas composições. Localizando frequentemente frases ou ruídos cujo significado permanece opaco durante anos. Daí os rumores de insatisfação de pessoas que sentem que foram usadas: Beefheart reclama que a maior parte das idéias de Zappa vieram de improvisações verbais que ele nem sabia que estavam a ser gravadas...
...Zappa mudou-se para o estúdio Z pouco depois do casamento com Kay Sherman acabar, “iniciando uma vida de gravações obsessivas – ininterruptas, doze horas por dia”. Tal como William Burroughs após a morte da esposa, Joan, Zappa viu na ruptura da vida doméstica convencional o começo da sua arte: fez bastante uso dela nas “vulgaridades biográficas” de Freak Out! Motorhead Sherwood, bailarino dos Black Out e mais tarde roadie e saxofone barítono dos Mothers, mudou-se para o estúdio e ajudou a obter comida. O acesso ilimitado a um gravador multi-pistas na fase inicial da carreira forneceu a Zappa uma experiência fundamental. As apresentações ao vivo são um grande problema para os compositores vanguardistas que precisam ouvir a música tocada para evoluírem...

... “Assim que aprendi a usar o equipamento do estúdio fiquei sentado durante doze horas de cada vez a tocar todos os instrumentos, gravando e praticando o que iria fazer quando tivesse um estúdio maior. Para mim era um laboratório”.


Algumas composições usadas pelos Mothers of Invention foram experimentadas no estúdio Z. “Toads of the Sort Forest”, que apareceu em Weasels Ripped My Flesh, foi originalmente tocado por uma série de guitarras gravadas umas por cima das outras. Zappa fez experiências com fitas aceleradas – “Speed Freak Boogie” – e com o tipo de justaposições aritméticas a que mais tarde chamou xenocronia. A intensa comoção das melodias de Zappa já estava formada em 1964, tal como a explosiva e angular guitarra de R&B. Também aprendeu a fazer colagens de gravações e a documentar praticamente tudo. Depois de passar no ar a gravação de um ensaio dos Mothers num programa de rádio australiano – os Mothers of Invention a brincar com “Rock Around the Clock” e a improvisar uma canção sobre sanduíches (Ray Collins numa forma sublime) – Zappa comentou “aqui está algum ar feito prisioneiro para vocês”, o que é uma excelente imagem para o modo como as gravações podem evocar ambientes.

A partir da gravação podes chegar ao todo. Consegues sentir a atmosfera do lugar. E porque a gravação é em estéreo consegues ouvir o tom da sala e algum do ar velho que paira”.


As horas perdidas no estúdio Z foram a base do uso arrasador que Zappa fez das tecnologias de gravação nas três décadas seguintes, as experiências alquimistas com o poder e sugestão dos sons gravados. Quando combina gravações Zappa não liga só sons como ambientes inteiros.


Texto retirado do blog Fora de Cena que traduziu o livro de Ben Watson - The Negative Dialectics of Poodle Play. A tradução é em português de Portugal e por isso algumas palavras podem soar estranho, como o próprio título traduzido como: As Dialécticas Negativas das Habilidades do Caniche. O que no Brasil é: As Dialéticas Negativas das Habilidades do Poodle.

2 comentários:

Pedro Marques disse...

Seria simpático se o link do Fora de Cena constasse da tua lista de links.
Obrigado.
Pedro Marques

woody disse...

Eu não o coloquei porque os links que lá estão, são de blogs e/ou sites dedicados exclusivamente ao Frank Zappa. Mas entre os últimos posts deste Dezembro Zappa, estará um link exclusivo seu, para que as pessoa possam continuar a acompanhar toda a história.

Abraço,
WOODY