sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

As Dialéticas Negativas das Habilidades do Poodle #4


INTEGRIDADE



Zappa terminou o Liceu de Antelope Valley no dia 13 de Junho de 1958, sexta-feira. Como o próprio refere, não terminou cadeiras suficientes, mas eles ficaram felizes por o mandarem embora. Inscreveu-se no Liceu de Antelope Valley apenas para conhecer raparigas. (“Tu sabes, nunca se dá ponto sem nó, por isso pensei, “Sejamos práticos”, e inscrevi-me”), mas durante apenas um semestre, embora tenha frequentado um curso especial de harmonia de um tal Sr. Russell. Na Primavera de 1959, a família mudou-se para Claremont, na Califórnia. Frank saiu de casa e foi viver para o distrito de Echo Park em Los Angeles, onde tentou ganhar a vida a escrever música para filmes de cowboys, entre eles Run Home Slow, um filme escrito pelo professor de inglês do Liceu de Antelope Valley, Don Cerveris. O produtor, Tim Sullivan encheu-se de dívidas quando a estrela principal fez um aborto no terceiro dia de filmagens. O projecto foi abandonado durante anos. A falta de comida adequada provocou-lhe um ataque de úlcera e Zappa voltou para casa em 1960. Inscreveu-se no Liceu de Chaffey, mais uma vez, com o “único propósito de conhecer raparigas” e depois de um curso de harmonia leccionado por uma Menina Holly, conheceu Kay Sherman. Casaram um ano depois e saíram da escola, ele ainda frequentou um curso de composição no Liceu de Pomona. O casamento durou cinco anos. Sherman trabalhava como secretária no First National Bank of Ontario e Zappa na Nile Running Greeting Cards.


"Em Claremont, eu fazia trabalho de publicidade em revistas de negócios relacionadas com cartões de saudações. Desenhava cartões de saudações. Fazia umas coberturas em papel vegetal. Podia ter gerido o negócio sozinho. Os meus trabalhos práticos na escola, para além da música, eram principalmente em educação visual. Por isso é que as capas dos meus discos foram tão boas, mais tarde – não porque fosse eu a fazê-las, foi sempre o Cal Shenkel – mas porque estava a par da potencialidade desse tipo de coisas. E também gostava. Ainda tenho uma colecção de desenhos de alguns desses cartões."


"O ramo consistia principalmente na produção de cartões de cumprimentos em papel vegetal para velhas que gostavam de flores. Eu trabalhava no departamento onde se faziam os cartões e acabei por fazer também alguns horrorosos arranjos florais.
Depois apareceu um trabalho a desenhar e escrever anúncios para a imprensa local, o que incluiu algumas belezas para o First National Bank of Ontario da Califórnia. Também tinha tarefas como decorador de montras e vendedor de jóias e – o pior – vendi Enciclopédias da Collier porta a porta. Isto era realmente triste – mas pelo menos consegui ter uma visão de como aquilo funcionava.
"


Esta consideração sobre estes trabalhos relacionados com as vendas entrou na arte de Zappa como sátira e prática. Tal como Philip K. Dick excede qualquer escritor de ficção científica com a sua preocupação com os problemas quotidianos dos pequenos negociantes, Zappa excede a moda com a moda, concentrando-se na normalidade.
Ao mesmo tempo, tocava guitarra no Tommy Sandi’s Club Sahara em San Bernardino, numa banda amadora: Joe Perrino and the Mellotones. Era-lhes permitido tocar uma música rápida por noite, invariavelmente um twist: “Foi uma grande mudança; passar do blues para o arranhanço numa guitarra, sentado num banco, vestido de fato branco e de cabelo puxado para trás... não era lá muito divertido”.
Um outro projecto foi a música para o filme The World’s Greatest Sinner, filme feito para Tim Carey. As partituras de Zappa foram tocadas em 1960 por amadores e semi-profissionais reunidos pelo professor de música do Liceu de Pomona: cinquenta-e-dois músicos, dois microfones, misturados em mono num estúdio móvel fora do teatrinho do Liceu. Nas notas podia ler-se: A Orquestra Sinfónica de Pomona Valley dirigida por Fred E. Graff. Nas partes de rock ‘n’ roll Zappa toca guitarra, Kenny Burgen saxofone, Doug Rust guitarra ritmo e Al Surran bateria. Zappa descreveu as condições de gravação como: “rançosas”. Dominique Chevalier disse que o filme era de “quinta categoria”, mas os Cramps, sempre conhecedores da cultura-B americana, colocam o filme nos seus dez mais.




LUX INTERIOR: É um dos melhores filmes rockabilly alguma vez feito. Timothy Carey é o protagonista e é simplesmente inacreditável. Trabalha numa companhia de seguros, um dia chega ao trabalho e diz, “Estou farto deste emprego.” E depois, “Oiçam todos: falei com o Sr. Simpson que diz que têm o resto do dia livre.” E manda todos os empregados para casa. O patrão chega e pergunta, “O que é que aconteceu?”, e ele diz, “Vou-me embora” [risos]. Quando vai para casa, a pé, vê uma banda de rock ‘n’ roll a tocar e tem a ideia de ser estrela do rock ‘n’ roll. Torna-se estrela de rockabilly, compra um fato e muda o nome para God Hilliard.
IVY RORSCHACH: Foi feito em 1961 e Frank Zappa fez a música.
LUX INTERIOR: As actuações são inacreditáveis. Começa a abanar-se e o cabelo cai... deve ter visto o Jerry Lewis ou coisa parecida... Rebola-se no palco e abana-se por todos os lados, numa apresentação ao vivo dá-lhe forte na guitarra. Se tiveres oportunidade de ver The World’s Greatest Sinner, ele muda-te a vida. Uau!



Embora Zappa dê a impressão, agora, de que o seu envolvimento foi mínimo, os onze minutos de banda sonora no disco pirata Serious Music mostram um paralelo muito próximo do estilo de narração-animada que usou mais tarde em The Adventures of Greggery Peccary. O papel de Satanás era desempenhado por Paul Frees.


[Relinchar de um cavalo. Uma banda de rock toca o instrumental do tema “The World’s Greatest Sinner”, seguido de uma abertura orquestral.]
SATANÁS: Ah pois é, e é aqui que vive uma vulgar família americana. O Clarence está ali, o meu menino, igual a todos os meninos – a única diferença é que quer ser Deus.
[Relinchar de um cavalo.]
E isto saiu exactamente da boca de um cavalo. A Edna está ali, a sua maravilhosa mulher e o seu mano, que acompanha Clarence até ao fim – ela não teve outra escolha. Alonzo, o jardineiro, o fiel amigo de Clarence, bastante hábil a apanhar sementes.
[A orquestra toca “Semi-fraudulent/Direct-from-Hollywood Overture” que reaparecerá em 200 Motels.]
Todos querem agir, incluindo eu próprio. Oh pá, este Clarence é a minha grande oportunidade desde o incidente da maçã – não me deixes ficar mal, Clarence, não me deixes ficar mal rapaz, faças o que fizeres.
CLARENCE: Vamos, meus seguidores!
SATANÁS: Agora vai, Clarence, vai! Vai! Vai!
CLARENCE: O meu nome é God Hilliard! Sigam-me para todos os cantos e becos dos Estados Unidos!
SATANÁS: Deus – ouve-os. É fantástico! Para ti está reservado o melhor assento do meu lar, mas tens de manter este alto nível. A tua hora, ainda por chegar, ser-te-á anunciada por um representante meu que entrará em contacto contigo. Por outras palavras, Clarence – vai para o inferno! [Ri-se demoniacamente. Acordes dramáticos seguidos de flautas românticas e cordas.]
RAPARIGA: [Delicadamente.] Deus! Amo-te.
[Um arfar, mais música romântica, chilrear, longa secção de música orquestral.]


A justaposição de palavras e música em bandas sonoras de filmes – realizada muito mais artificialmente do que aquilo que os fanáticos de cinema pensam – é de facto uma forma de musique concrète: Walter Murch, que acabou por trabalhar com Don Preston na banda sonora de Apocalypse Now começou como devoto de Pierre Henri “e daqueles tipos de França”. A música de “efeitos especiais” nos filmes – destinada a instalar ansiedade ou medo, ou para acompanhar a violência – é onde muitos não-especialistas descobrem inovações clássicas no século-vinte. A experiência de Zappa com The World’s Greatest Sinner foi como trigo para o seu moinho. Em Hot Rats, uma frase denominava o disco, “um filme para os vossos ouvidos”, e as liberdades de Lumpy Gravy e We’re Only in it for the Money têm origem nas deslocações reais dos filmes. A velocidade e violência da montagem cinematográfica é geralmente muito avançada para aquilo que as pessoas estão preparadas a aceitar numa sala de concertos. Nos anos 80 tornou-se evidente que John Zorn também aprendeu com os filmes – os seus álbuns de Naked Lunch usam uma continuidade que vem directamente das bandas sonoras de filmes japoneses de terror. The World’s Greatest Sinner também jogava com temas – a repressão sexual e a submissão à autoridade, o céu e o inferno, a tentação e a ambição, a imoralidade sádica – que reaparecem em “The Torture Never Stops” e “Titties & Beer”.

Texto retirado do blog Fora de Cena que traduziu o livro de Ben Watson - The Negative Dialectics of Poodle Play. A tradução é em português de Portugal e por isso algumas palavras podem soar estranho, como o próprio título traduzido como: As Dialécticas Negativas das Habilidades do Caniche. O que no Brasil é: As Dialéticas Negativas das Habilidades do Poodle.

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