sábado, 29 de dezembro de 2007

As Dialéticas Negativas das Habilidades do Poodle #7


OS FREAKS



Zappa concentra-se no bizarro para o usar depois, moldando ícones de protesto, comportamentos divergentes, opostos ao estilo de vida homogeneizado da América do pós-guerra. Ele dedica três páginas do The Real Frank Zappa Book a Crazy Jerry, um viciado em choques eléctricos, e ao seu colega Wild Bill, o Fode-Manequins. Este interesse pelas margens da sanidade mental foi artisticamente frutífero no álbum de Wild Man Fischer. O fenómeno freak, contudo, constituía uma cultura consciente, uma extensão da boémia beat indevidamente eclipsada pelo flower power. Ao contrário dos hippies, que Zappa achava serem conformistas e estúpidos, ele interessou-se pelos freaks e Freak Out! teve como objectivo dar visibilidade ao movimento. Zappa descreveu os freaks mais tarde.

A origem dos hippies e a sua ascensão do flower power de Haight Ashbury em São Francisco é bem diferente da evolução do movimento freak de Los Angeles do qual eu fazia parte. Havia uma diferença no conceito. Nunca fui hippie. Nunca comprei a ética do flower power... por volta de 1965, a maior parte das pessoas da cena freak de Los Angeles juntava-se através dos seus hábitos e dançava muito. Os verdadeiros freaks não usavam drogas. Depois havia os freaks de fim de semana que apareciam e metiam qualquer coisa pela goela abaixo. E depois começavas a ouvir por todo o lado falar de pessoas que se passavam com ácidos, era uma cena muito colorida. Vito era o líder da cena freak e Carl Franzoni uma espécie de general. O Vito tinha cerca de sessenta anos e era casado com uma ex-chefe de torcida de vinte – costumavam estar perto do restaurante Cantor a ensinar as pessoas a serem freaks.



Vito fazia esculturas na sua cave e também ensinava. Liderava um grupo de bailarinos: iam aos concertos e chocavam toda a gente com a sua desinibição. A Menina Pamela das G.T.O. descreve um encontro com ele.

Vimos o Vito num sofá de veludo cor-de-rosa, rodeado por pessoas de todas as idades e raças, profusamente enfeitadas, que pareciam prestar-lhe homenagem. Ele tinha o cabelo cinzento comprido e despenteado e uma barba horrível que parecia ter sido mergulhada numa garrafa de verniz; tinha vestida uma tanga apenas, com atilhos e uma pena de pavão tatuada no peito.


Ela descreve a mulher de Vito, Szou, a dar de mamar ao filho de três anos, Godot, depois de ele ter dançado todo nu em cima de uma mesa. Carl Franzoni, a quem “Hungry Freaks Daddy” é dedicado, é descrito como um “tipo muito pouco atraente, vestido de maillot vermelho, pintado à mão, que beliscava os rabos de todas as miúdas”. Pamela Zarubica foi mais simpática: “O maior freak de sempre – vestido de maillot preto e uma capa da cabeça aos pés, de cabelo electrizante e uma pêra incrível que rivalizava com o tamanho da sua língua.” Sexo com muitas variantes – menoridade, público, múltiplos parceiros – era a grande arma durante a guerra contra a América média.

O Vito escolheu umas pessoas e convidou-as a irem a casa dele para assistirem a uma sessão prática de carícias. Eu nunca tinha visto duas mulheres no calor da paixão, por isso arrastei a Sparky comigo. Quando chegámos ao sítio da acção, os gemidos já tinham começado e furámos por entre os que olhavam com desejo para o pequeno quarto de Vito e Szou que não era mais que uns naperons estendidos numa cama de armação, na qual duas raparigas muito ternas se lambiam por entre risadas. Era uma coisa tão estranha; ninguém parecia estar a excitar-se sexualmente por estar a olhar para as pubescentes raparigas, mas todos observavam a cena em silêncio como se ela fizesse parte da educação ministrada pelo mestre Vito. (Excepto Carl, que não fazia nenhuma tentativa para controlar o seu êxtase.) Uma das raparigas que estava na cama só tinha doze anos, e uns meses mais tarde Vito foi deportado para o Taiti por causa disto e por muitas outras situações iguais.

A morte acidental de Godot (“caiu por uma clarabóia durante uma extravagante sessão de fotografias no telhado”) deixa a impressão de que Vito e Franzoni viviam perigosamente perto da loucura. Os freaks eram caracterizados pela Menina Pamela como o “pós-bop, pré-pop”, uma cultura de transição entre os beats e os hippies. O pessoal freak fundiu-se com os glitterati aspirantes a Hollywood. No funeral de Lenny Bruce, por exemplo, esteve Phil Spector com a Menina Pamela, Dennis Hopper e Frank Zappa. Foi a mesma onda que produziu os Monkees, uma série de TV inovadora cujo sucesso nos tops obscureceu os seus consideráveis méritos. As pessoas ficaram chocadas quando Zappa disse que os Monkees – uma palavra da moda para o oportunismo estúpido – eram a banda com melhor som em Los Angeles: ele notou que podiam comprar bom equipamento. A casa de madeira de Zappa, para onde se mudou em 1968, foi herança dos freaks. Construída originalmente pela estrela cinematográfica Tom Mix, albergou primeiro a comunidade de Carl Franzoni. Segundo a Menina Pamela:

Frank Zappa queria viver nessa casa e acho que foi ele que influenciou a senhoria, que era muito má, porque o Carl e as raparigas foram despejados da cave e forçados a procurar alojamento noutro sítio.

Alguns comentadores vêem isto como simbólico da exploração que Zappa fez da cultura freak, mas provavelmente é verdade que sem Zappa as façanhas de Carl Franzoni já teriam sido engolidas pela história há muito tempo. Zappa fala da incredulidade sobre a inquestionável natureza da cultura de massas dos anos 60 antes dos freaks terem aparecido.

A maior parte das coisas que fiz entre 1965 e 1969 eram dirigidas a um público que estava acostumado a aceitar tudo o que lhes era dado. Quero dizer: tudo. Era extraordinário: política, musical e socialmente – tudo. Qualquer pessoa dava-lhes uma coisa e eles nem a questionavam. A minha campanha nessa altura era fazer coisas que abanassem as pessoas que estavam nessa atitude contemplativa, ou nessa ignorância, e fazê-las questionar as coisas.




Texto retirado do blog Fora de Cena que traduziu o livro de Ben Watson - The Negative Dialectics of Poodle Play. A tradução é em português de Portugal e por isso algumas palavras podem soar estranho, como o próprio título traduzido como: As Dialécticas Negativas das Habilidades do Caniche. O que no Brasil é: As Dialéticas Negativas das Habilidades do Poodle.


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